Decreto do SAC, LGPD e Procons: O Consumerista falou com o secretário da SENACON
Em entrevista exclusiva para O Consumerista, o secretário da Senacon, Luciano Benetti Timm, falou sobre o balanço de 2019 e falou sobre a revisão do decreto do SAC

O ano de 2019 foi de mudanças significativas dentro da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Uma delas ocorreu no Consumidor.gov.br: a pasta deu início a integração com o Processo Judicial Eletrônico (PJE), desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Agora, o consumidor terá a opção de fazer um acordo com a empresa antes de ingressar com uma ação na Justiça – tudo por meio eletrônico. Além disso, houve um acréscimo de quase 200 novas empresas na plataforma e um aumento de 20% no número de interações entre consumidores e companhias na comparação com os números do ano passado.
No entanto, o ano também foi marcado por uma forte mudança cultural. Em 2019, houve conflitos com alguns Procons, que acusaram a pasta de atuar pró-mercado. Por outro lado, houve uma acusação de uma atuação ideológica dos Procons contra a atual gestão.
Mas e quanto ao futuro? Em entrevista a Consumidor Moderno, Luciano Benetti Timm, secretário da Senacon, falou sobre esses e outros assuntos. Um dos temas para o próximo ano é a revisão do decreto do SAC, que, segundo Timm, precisa mirar a resolutividade e não apenas o “corre-corre” do atendimento em até um minuto. Ele fala em abrir a “caixa-preta” do atendimento e sugere até uma auditoria no relacionamento com o cliente e até criar uma linha dedicada a resolver problemas. Além disso, ele falou sobre Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e não negou que tenha algumas dúvidas sobre a norma sob a ótica acadêmica.

Fotos de Douglas Lucena/ Grupo Padrão
Consumidor Moderno – Eu gostaria que o senhor falasse sobre o primeiro ano da atual gestão da Secretaria Nacional do Consumidor.
Luciano Benetti Timm – Foi primeiro ano de um governo de quebra de paradigmas e, como tal, tivemos significativos desafios. Exemplificativamente, o Ministério da Economia aumentou muito de tamanho assim como a Justiça, pois incorporou a Segurança Pública. Tivemos que fazer mais com menos. Ao mesmo tempo tivemos um governo preocupado com uma mudança nos rumos da nossa economia e também na segurança pública. Tivemos uma pauta mais de desregulação e liberalização da economia e também de lei e ordem na Justiça. Nós nos preocupamos em preencher os cargos com técnicos e não políticos, além de uma administração baseada em resultados, em mensuração. Então, toda essa mudança gera uma necessidade de acomodação, especialmente para pessoas que estavam há muito mais tempo acostumadas com outro formato de funcionamento de órgãos de governo. Creio que tenha sido uma curva de aprendizado importante para todos os agentes e os operadores. O balanço é positivo.
Quando examinamos os dados que recentemente comentei em um artigo para O Consumerista, nós, para começar, como técnicos, olhamos o planejamento estratégico que havia no Ministério da Justiça disponível. Nós adequamos as metas para poder entregar aquele resultado. Estabelecemos metas ousadas e entregamos bastante. Muitos diziam que as minhas metas eram muito ousadas para administração pública e, de fato, entregamos.
Hoje, Senacon tem mais atribuições que tinha no passado. Nós cuidamos basicamente de três coisas: defesa do consumidor propriamente dita, combate à pirataria e Fundos de Direitos Difusos (esse fundo é formado por multas aplicadas aos chamados direitos coletivos, ou seja, ambiental, concorrencial, direito do consumidor e outros). Você administrar um fundo de R$ 700 milhões implica em muita responsabilidade, estruturação de equipe e estamos muito próximos de bater a nossa meta, que era de passar dos R$ 350 milhões. Nós até já aprovamos isso em projeto e agora estamos cuidando para atingir isso também os convênios que vão viabilizar a transferência.
No âmbito da Senacon a gente dinamizou o consumidor.gov.br. Nós assinamos mais de 14 acordos de cooperação com agências governamentais que adotaram, algumas exclusivas e outras não, a plataforma como meio para solucionar conflitos com o consumidor. Isso ajuda a explicar o grande aumento do número de empresas: saiu de pouco mais de 400 para 606. Quando as empresas aderem é natural que o consumidor acabe refluindo para o mesmo caminho. Até o momento tivemos mais de 20% de acréscimo de solução de disputa por meio da plataforma (na comparação entre 2018 e 2019).
No entanto, sabemos que nem todos consumidores tem acesso à internet (algo em torno de 70%) e, quando tem, nem todo nem todo mundo tem condições de manejar a plataforma do “gov”. Então, nós reestruturamos os Procons. Nós entregamos um quinto do orçamento da Senacon para os Procons estaduais. Hoje, foram sete Procons beneficiados, estaduais. Além disso, tivemos casos de Procons que apresentaram projeto, mas que não foram beneficiados por motivos técnicos ou burocráticos. Para ele, nós fizemos parceria com o setor privado, caso da Febraban e a Federação das Teles, a Febratel. Enfim, houve uma melhora dos Procons porque eles estão na ponta e podem fazer o atendimento individualizado com os consumidores. Os consumidores devem ter a opção de um atendimento pessoal e on-line. Além disso, tivemos o Pro-consumidor, que era um anseio antigo de modernização de Sindec (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor).
Já fizemos o piloto e está pronto. Antes teremos uma solenidade para formalizar, mas já está entregue.
Quando as empresas aderem é natural que o consumidor acabe refluindo para o mesmo caminho. Até o momento tivemos mais de 20% de acréscimo de solução de disputa por meio da plataforma (na comparação entre 2018 e 2019).
CM – Uma das novidades deste ano foi o lançamento do Colégio dos Ouvidores. Eu gostaria que o senhor falasse sobre o assunto.
LBT – Entendemos que o é nosso papel, assim como está no Código de Defesa do Consumidor, a harmonização das relações de consumo com vistas a gerar o desenvolvimento econômico. Isso, inclusive, é um dos princípios do Mercosul na defesa do consumidor, fruto de um diálogo desse ano. Então, é importante aumentar a participação dos consumidores e das empresas. O Colégio de Ouvidores, que teve a adesão de mais de 15 Procons estaduais, além do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNCDC). É possível incorporar outras entidades que queiram. Ministério Público se quiser. A Defensoria, se quiser. Serão todos convidados.
O colégio de ouvidores funciona como um colegiado. Quem participa tem direito a voto, como qualquer colegiado. Mas como funciona o Colégio de Ouvidores? Se alguém de um determinado estado reclamar na ouvidoria do Ministério da Justiça, aquela reclamação, comentário ou elogio é enviado para ouvidoria daquele estado, e vice-versa. Isso porque a ideia do colégio é cooperação. Se alguém reclamar da Senacon em um estado “x”, esse mesmo estado vai encaminhar essa reclamação para a nossa ouvidoria. E a recíproca é verdadeira. Se alguém reclamar de algum Procon na ouvidoria do MJ, essa manifestação será enviada ao órgão competente do estado. Então, isso é importante porque permite uma abertura de diálogo com os consumidores, que também são cidadãos e pagadores de impostos.
CM – Outra novidade da Senacon foi incorporar ideias como a autorregulação e a corregulação, algo novo no País. Autorregulação já existia por meio um modelo desenvolvido pela Febraban e o Probare, das empresas de telesserviços. Qual é a proposta da Senacon?
LBT – Isso está alinhado a um objetivo nosso. Ele é inovador porque, inclusive, não estava no planejamento estratégico do Ministério. Mesmo porque nem poderia estar no projeto inicial, pois o pleito do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que defende políticas públicas baseadas em evidências) foi posterior a tudo isso. A ideia de trabalhar com autorregulação e corregulação diz respeito a um tratamento de um direito do consumidor também, mas não exclusivamente dessa maneira. A ideia é trabalhar as políticas de defesa do consumidor também como um direito regulatório. Trata-se de uma intervenção no mercado e, como tal, deve seguir a lógica do direito regulatório: análise de impacto regulatório, corregulação e autorregulação. Então, aquelas ferramentas desenvolvidas no Brasil pelo direito administrativo regulatório também se aplicariam (ao direito do consumidor).
Mas por que a OCDE apoia essa medida? Porque a auto/corregulação funciona muito mais rápido do que uma modificação legal. A estrutura parlamentar é feita para um intenso debate. Às vezes uma mudança, uma autorregulação, pode ser mais rápida e melhor para os interesses do consumidor. Então, por isso, trabalhamos este ano com duas corregulações. A gente está chamando de corregulação, pois é quando o estado entra para estabelecer alguns parâmetros e limites. E, eventualmente, fiscalizar. então, o que a gente fez? Fizemos a corregulação dos empréstimos consignados.
A Febraban e ABBC criaram regras mínimas para o empréstimo consignado, que eles vão respeitar e vão sancionar. Existe até a possibilidade de exclusão. Nós criamos uma guia com parâmetros mínimos de interpretação acerca de uma prática comercial abusiva, ou mesmo de publicidade enganosa. É como se fosse uma especificação do Código de Defesa do Consumidor. O próprio Código Civil, no artigo 113, fala que usos e costumes são fontes de direito. Então, a corregulação é isso: é quando você soma o estado, os “dentes do regulador” na autorregulação privada. A Comissão de Valores Monetários (CVM) já faz isso há muito tempo. E por que isso é importante? Empresas que atuam no mercado tem um nível de informação que muitas vezes o governo, infelizmente, não tem. Pensa na complexidade da tecnologia hoje. Então, você precisa de algum grau de colaboração do setor privado. Então, por isso que a OCDE sugere a corregulação. E já estamos num estágio evolutivo de nossa democracia que permite presumir a boa-fé de empresas, consumidores e agentes do governo.
É como se fosse uma especificação do Código de Defesa do Consumidor. O próprio Código Civil, no artigo 113, fala que usos e costumes são fontes de direito. Então, a corregulação é isso: é quando você soma o estado, os “dentes do regulador” na autorregulação privada.
CM – Se o poder público não tem acesso a todas informações, como a Senacon poderia saber qual realmente poderia ser o mínimo que uma empresa poderia fazer pelo consumidor?
LBT – A política pública é definida a partir de uma plataforma democraticamente eleita. O governo age até onde o cidadão/eleitor diz para ele ir. Diferentes governos apresentam diferentes plataformas programáticas de políticas públicas. Quando um governo se elege dizendo que será liberal na economia e lei e ordem, isso significa que a regulação terá dentes, segundo uma metáfora que os americanos usam. Isso tem que funcionar rapidamente, por isso a gente tem trabalhado rapidamente para que os processos sancionadores funcionem mais rápido – e é o que está acontecendo. Nós baixamos muito as pendências que havia de processos sancionadores. Quando os agentes econômicos (empresas) sabem que sanção virá mais rápido e com mais força, eles acabam se adequando mais rapidamente.
Você precisa criar uma estrutura de incentivos governamentais para que a iniciativa privada funcione cumprindo espontaneamente a lei. Eu acredito que do ponto de vista pragmático é muito melhor uma empresa assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) se obrigando a parar uma prática do que aplicar uma multa, que poderá ser judicializada e demorará muito tempo para ser confirmada. Enquanto isso, ele, agente econômico estratégico, vai continuar extraindo renda daquela prática abusiva. Posso dar exemplo do Serviço de Valor Agregado (SVA). Houve atuações na Senacon com algumas empresas do setor de telecomunicações que garantiram que elas propusessem TAC cessando a prática condenada (salvo o caso de apenas uma empresa, infelizmente). No TAC proposto por essas empresas, houve, inclusive, o estabelecimento de duplo consentimento para que o consumidor entendesse o que ele está contratando no celular, além de composição de valores para o Fundo de Direitos Difusos imediatamente.
CM – Em 2019 tivemos a autorregulação/corregulação das empresas de teles e do setor de telesserviços para os excessos do telemarketing. Há expectativa de outros setores da economia aderirem a esse modelo?
LBT – Tem a área de seguro que ainda tem um residual (de reclamação). As maiores reclamantes do País são as instituições financeiras e as teles. Mas penso que seguros seria desejável que ingressasse na plataforma Não Me Perturbe.
CM – E existe a possibilidade de elas apresentarem algum modelo de autorregulação e corregulação?
LBT – É desejável para o interesse dos consumidores. Nós assinamos um acordo de cooperação com a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados). Além disso, estamos em tratativas com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas não saiu ainda, infelizmente. É uma das poucas que ainda não saiu. Mas teremos esse diálogo com a agência.
CM – O que o senhor diria sobre as críticas a esse modelo liberal na economia lei e ordem no cumprimento das regras?
LBT – Às vezes as pessoas associam, infelizmente, liberalismo econômico com ausência de regra. Basta ler qualquer autor clássico, mesmo Adam Smith, que é o pai do liberalismo econômico. Ele afirma que o governo tem que funcionar bem. Uma coisa é tamanho (do estado), outra é funcionar bem. Então, o estado tem que funcionar bem com regras muito claras e com sanções igualmente claras e fortes. Essa é uma combinação interessante desse atual governo.
CM – No próximo ano, teremos os 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O senhor já tem uma reflexão ou convicção do que precisaria mudar?
LBT – Do ponto de vista legal, de redação e técnica legislativa, o CDC me parece um bom exemplo de lei que “pegou”. Trata-se de uma lei bem desenhada, bem concebida, tanto que durou 30 anos sem ser alterada. Agora, há uma discussão sobre o superendividamento. A ideia seria incluir novos artigos no Código ou poderia acontecer não necessariamente dentro do CDC, mas em uma lei esparsa. O fato é que o CDC, talvez por sua vagueza semântica, permite uma adequação aos novos tempos. Mas, para outros pontos, bastaria apenas uma adequação, digamos, interpretativa. Uma delas é o CDC adaptado a era da economia 4.0 (digital). Estamos trabalhando isso na Senacon. Não precisamos de leis sobre isso. É apenas uma questão interpretativa de adequação.
Então, nesses 30 anos, o que a gente viu foi um excesso de judicialização. Às vezes, e quem sabe em boa parte, causado pelas próprias empresas que não tinham SACs, que não tinham canais eficientes. Mas o fato é que temos uma preocupação científica de causalidade (causa e efeito). Então, dizemos que temos muito litígio disso e daquilo e isso tem que ser pesquisado. É muito mais fácil falar em correlação estatística. Certamente o volume de demandas judiciais tem uma correlação estatística com a ineficiência dos canais da empresa, alguma correlação com a ineficácia das agências reguladoras, o que a gente vem buscando melhorar. Isso tem demandado uma atuação em conjunto com as agências, fazendo com que elas funcionem em benefício do bem-estar do consumidor.
Além disso, existe uma correlação a uma política universitária que apostou muito em faculdades de direito que apenas ensina a litigar em vez de apostar em áreas de inovação (tecnologia e engenharia). Afinal, é mais barato você montar uma faculdade de direito do que montar uma faculdade de engenharia, medicina e mesmo de economia. Não à toa, temos um milhão de advogados. Além disso, há estudos que sugerem correlação entre número de advogados e demandas judiciais quando o judiciário não tem precedentes vinculantes e tem critérios muito fluidos de concessão de assistência judiciária gratuita.
No entanto, isso não tem a ver com o Código de Defesa do Consumidor. Isso tem a ver com o Código de Processo Civil e as regras processuais que o judiciário vai ter que enfrentar. O Ministério da Justiça tem a Secretaria Nacional de Justiça e que tem uma pauta de desjudicialização por meios alternativos ou adequados à solução de disputas. Então, a gente entende que isso é mais atribuição dos nossos colegas do judiciário. Enfim, acho que não é um problema ou algo que precisa ser corrigido do CDC. É uma questão de legislação processual, muito embora seja um tema que toca na defesa do consumidor. Por isso, a importância dessa plataforma Consumidor.gov.br, que permite a desjudicialização, sem precarizar os interesses dos consumidores.
CM – Há uma discussão que tem transcendido as antigas gestões da Senacon: trata-se do decreto do SAC. Bom, o epicentro do debate está relacionado a eficácia de uma norma que trata exclusivamente sobre contato telefônico. O senhor pensa em reabrir o debate sobre o assunto?
LBT – Existem outros pontos que a gente pode modificar por decreto, por ato normativo. É o caso da atualização aos novos tempos tecnológicos do SAC, tornando-o mais resolutivo, menos burocrático e com tempo mínimo para responder com protocolo. Quem sabe até uma linha para resolutividade do SAC dentro das empresas. Seria importante que o SAC fosse auditável e, assim, vincularmos a resolutividade. Assim, o governo deixa de se preocupar exatamente como funciona o SAC e passaria a cobrar o resultado das empresas. Nesse caso, talvez, podemos identificar o que não funcionou ou precise de uma adequação. Não existe algo que “deu errado”. Tudo é fruto de uma experiência histórica.
CM – Ainda sobre esse assunto, a Senacon contratou uma consultoria para avaliar o impacto do decreto do SAC. Embora ainda seja cedo, o que é possível afirmar até o momento sobre o impacto do decreto na vida real?
LBT – Tudo é fruto do seu tempo. Quando o decreto foi publicado, ele teve muitos méritos. Os consumidores não tinham para quem ligar. Felizmente, houve um processo de privatização, mas, infelizmente, sem toda a devida cautela sob a ótica do consumidor. Então, creio que ali houve um desajuste e os consumidores foram prejudicados. Particularmente, eu penso que o prejuízo era maior antes, pois os consumidores sequer tinham uma linha telefônica.
Bom, mas, como eu dizia, foi preciso uma lei para obrigar as empresas a responder e ter um canal de relacionamento. Com o tempo conseguimos avaliar o que aconteceu e, assim, podemos avaliar a estrutura de incentivos que foram criadas. Penso que elas foram criadas para as empresas se organizarem e responderem o consumidor em um minuto. Isso também gerou, e nós estamos levantando isso, bonificações ligadas à resposta e ao protocolo e não a resolutividade. Creio que agora é o momento de avaliar o que aconteceu e, assim, aperfeiçoar. Nós contratamos uma consultoria para nos ajudar, porque a gente tem também essa atuação baseada em evidência científica.
É o caso da atualização aos novos tempos tecnológicos do SAC, tornando-o mais resolutivo, menos burocrático e com tempo mínimo para responder com protocolo. Quem sabe até uma linha para resolutividade do SAC dentro das empresas. Seria importante que o SAC fosse auditável e, assim, vincularmos a resolutividade.
CM – Por falar em Consumidor.gov.br, o senhor deu início a um projeto piloto de inclusão da plataforma ao Processo Eletrônico Judicial (PJE). Os primeiros testes estão ocorrendo no Distrito Federal. O que os primeiros resultados indicam?
LBT – O bom da tecnologia é que a gente obtém dados para o bem ou para o mal de maneira muito fácil. É possível mensurar e metrificar tudo. No entanto, é muito cedo ainda para chegar a conclusões. A nossa plataforma se integrou ao PJE, que pertence ao CNJ. Então, quando uma pessoa vai distribuir uma ação no Juizado Especial, ele tem a opção de fazer uma negociação on-line via o “Gov”. Se essa negociação for efetivada, sai como acordo judicial. Se não, aquilo que foi alimentado vira uma petição inicial no PJE. Nós, inclusive, tivemos reunião na OAB para esclarecer sobre o acesso à justiça, que tinha uma preocupação com a participação do advogado no uso da plataforma. Nós adequamos as condições de uso, mas, aparentemente, o que está aparecendo é que muitos advogados ainda preferem pular a negociação e ir direto para o litígio.
Isso denota uma questão ligada a formação do advogado na faculdade, hoje muito voltada para ao litigio. Uma coisa que a Justiça e não a Senacon precisa discutir é o papel do judiciário na formulação de políticas públicas. Como uma indenização individual em um caso individual por dano moral, por exemplo, vai ajudar ou não a corrigir uma falha de mercado ou se é um problema regulatório, que deve ser enfrentado com uma ação coletiva que atinge a todos?
Quando o decreto (do SAC) foi publicado, ele teve muitos méritos. Os consumidores não tinham para quem ligar. Felizmente, houve um processo de privatização (de telecomunicações), mas, infelizmente, sem toda a devida cautela sob a ótica do consumidor.
Hoje, algumas empresas não fazem acordo envolvendo dano moral dentro da nossa plataforma. Algumas empresas querem resolver, segundo elas alegam, o problema. Nós temos também os dados do “Consumidor.gov.br” e a maioria dos consumidores não buscam ou não pretendem buscar o judiciário visando indenização. Eles também querem resolver o problema. Em algum momento isso vai ter que ser discutido, mas isso não é um problema da Senacon; é uma questão para o Poder Judiciário decidir.
CM – Ou seja, não há uma correlação de que houve um represamento das ações na Justiça com a parceria com os tribunais do Distrito Federal?
LBT – Muito cedo. Existe um tema muito polêmico onde alguns juízes já exigem o que chamamos de pretensão resistida, que seria uma condição para (o ingresso) a ação. Alguns juízes entendem que a negativa no Consumidor.gov.br seria uma das formas de provar essa pretensão resistida. Evidentemente não é par isso que o feito o convênio entre o CNJ e a Senacon. O convênio foi feito para facilitar a vida do consumidor, desjudicializar e ganharmos eficiência. Por isso é importante conscientizarmos os advogados e as empresas a tentar resolverem isso de forma rápida na plataforma.
É uma nova fase e essa mudança cultural tem momentos de adequação cultural. É por isso que estamos fazendo esse piloto. Creio que a melhor experiência é aquela em que os juízes recomendam o uso da plataforma, sem bloquear como condição da ação, assim como estamos fazendo com o PJE.
Então, perceba que é uma questão macro: advogados tem que entender que é melhor o acordo e tentarem fazer esse acordo. Empresas, talvez, precisam fazer um ajuste porque não adianta lutar contra precedentes (judiciais ou julgados). Não tem porque não compor, na plataforma, aquilo que um precedente já está fixando, quer a empresa goste ou não. Assim, penso eu, os juízes aproveitarão melhor essa plataforma.
Mas, o que acontecido é: alguns juízes tem, na verdade, suspendido o caso (até a tentativa de conciliação, caso não ocorra a ação continua normalmente). Nesse caso, existem dados mais robustos do que os nossos (no projeto piloto do Distrito Federal), mesmo porque a gente está apenas dois meses. Ao suspenderem o caso e marcar a audiência, há dados que mostram que o índice de acordo seria de 30% – das ações que entram em juízes que adotam a mera suspensão do processo ao invés da política da pretensão resistida. Então se você em um país de 80 milhões de casos, sendo que 5 a 6 milhões são de consumidores, você reduzir 30% é um contingente importante.
CM – Eu gostaria de falar agora sobre a LGPD. Existem projetos de lei que pedem a prorrogação da lei para a 2.022 e, outro, que defende uma multa progressiva. Como o senhor avalia a entrada da lei no próximo ano?
LBT – A lei posta, a lei passada, vai entrar em vigor no ano que vem e é com essa premissa que estamos trabalhando. Se não, é futurologia. Quanto ao debate parlamentar, deixamos para o congresso. não trabalhamos hoje com essa premissa.
CM – Mas como o senhor avalia a capacidade das empresas e do Brasil para se adequar à lei? O Brasil está pronto?
LBT – O Brasil terminou os estádios dias antes da Copa e algumas obras ficaram prontas somente depois da Copa. Então, tem uma questão cultural que nós não vamos mudar com a lei. Então, não dá para ficar uma coisa esperando a outra. Eu até tenho, academicamente falando, minhas dúvidas dos reais ganhos para a sociedade brasileira, dos custos com a lei de dados, além do aspecto concorrencial e do consumidor. Mas, enfim, esse debate já foi traçado. Então, cabe agora seguir a lei.
CM – O senhor citou a questão cultural em diversos momentos da entrevista. Uma delas foi justamente uma mudança cultural e que foi o ponto de partida para o abalo no relacionamento com alguns Procons. Afinal, como foi o relacionamento com os Procons em 2019?
LBT – Bom, no geral, foi uma relação muito boa. Tanto que tivemos este inédito programa de restruturação dos Procons, com transferência direta de recursos federais para os estados, independentemente de filiação partidária. Não olhamos partido político. Olhamos o sistema de defesa do consumidor. Eu não estava na Senacon antes, então não posso falar como era. Quando chegamos, nós encontramos bons projetos, inclusive demos prosseguimento a eles. Nós partimos de uma lógica de gestão que, primeiro, você precisa estabelecer uma relação eficiente com os estados, que são 27. Depois, os estados se encarregam de fazer isso com os seus municípios.
É justamente aí que a gente percebe questões culturais. Tem estados em que a divergência política tem mais valor do que em outros. É um aprendizado lidar com tudo isso, mas a lógica gerencial, e faz todo sentido, é que você lida primeiro com os 27 e os 27 tem que organizar os seus municípios. Onde isso não acontecer, a gente também tem que ter esse contato com os municípios.
Então, teve alguns municípios já beneficiados com projetos no fundo de direito difuso que nós administramos, caso de Juiz de Fora. Então é uma relação federativa onde se respeitam as autonomias. Não sei como era no passado, mas temos que ter a compreensão de que houve uma mudança de governo e a Senacon é um órgão do Ministério da Justiça, que é um órgão do Governo Federal. Portanto, ele tem que atuar dentro das políticas públicas do governo federal e avançar pautas do governo federal. Isso não implica mudanças no Código de Defesa do Consumidor. São mais questões gerenciais, administrativas.
CM – Uma questão cultural presente no Brasil é o jeitinho. Por outro lado, acusam o senhor de ser, como direi, mais anglo saxão. O que dizer sobre isso?
LBT – O Sérgio Buarque de Holanda classifica o jeitinho brasileiro como característico do brasileiro e não necessariamente como algo bom ou ruim. Ele apenas existe. Pode ser bom ou pode ser ruim. O ministro (Luís) Barroso aborda muito esse tema no Judiciário. Acredito que o Ministro Sérgio Moro tem um perfil e, acredito, que ele tenha escolhido pessoas com as quais ele tem algum alinhamento também de perfil. Então, eu sou brasileiro e o Brasil tem vários perfis.
Não sei dizer se isso é anglo saxônico. Assim como a gente trabalha de forma técnica sem olhar partido, sem olhar perfil, é preciso também que as pessoas, como nós tentamos adequar, também trabalhem nesse perfil mais pragmático, mais objetivo, mais baseado em dados e menos político. E isso é positivo para o País. É claro que ajustes também são feitos, mas eu não diria que se eu perguntar em casa se eu sou muito rígido, penso que as pessoas me têm como uma pessoa direita e objetiva. Eu penso que isso é bom para o País.